quarta-feira, 9 de abril de 2008

Uma Questão de Calças



Desculpe a pergunta, mas quem é que usa as calças lá em casa?
(Por esta altura o leitor já está habituado às minhas questões indiscretas, pelo que se aguentou a leitura até aqui, não vai seguramente desistir agora…).
Mesmo que diga que é ela, ou se quiser ser politicamente correcto responda que são os dois (ou nenhum, tanto me faz…), a simples forma como a pergunta é colocada, de acordo com uma velha máxima bem enraizada na nossa cultura, é suficiente para demonstrar que vivemos numa sociedade patriarcal.
Já sei que vai argumentar que elas é que põem e dispõem quando querem, que têm sempre uma maneira de levar a sua adiante e por aí afora, mas quando são necessárias formas sub-reptícias de exercício de poder (tais como o charme feminino ou mais simplesmente a lei seca lá em casa) tal significa invariavelmente que a ascendência está noutro lado…
Se assim não fosse não seriam necessários movimentos feministas, emancipação feminina, condição feminina e outros eufemismos reveladores de que, em muitos aspectos essenciais, continuamos a viver numa sociedade patriarcal.
E se assim ainda é, o que dizer dos milénios de história que nos antecederam?
Toda a cultura ocidental, seja ela cristã, judaica, muçulmana ou agnóstica, é profundamente patriarcal.
Após milénios de exercício de poder, o que fizeram os homens ocidentais da sexualidade?
Instituíram uma religião castradora que condena o sexo por impuro e incute um enorme sentimento de culpa em todos os que o praticam (seja ela qual for, de entre todas as principais religiões ocidentais).
Mesmo os movimentos liberais e anticlericais necessitaram de séculos para reconhecer idênticos direitos aos homens e mulheres. Mas os costumes patriarcais estão de tal forma enraizados na nossa cultura que ainda subsistem, teimando em fazer letra morta dos princípios igualitários constitucionais.
Quais as consequências na sexualidade de todo este patriarcalismo: ejaculações precoces nos homens e disfunção orgásmica nas mulheres.
E não pensem que me estou a contradizer. Eu estou ciente de que tenho, em textos anteriores, tentado derrubar mitos quanto à sexualidade feminina que agora, aparentemente, estou a reerguer.
Felizmente há muitas mulheres desinibidas que vivem a sua sexualidade com naturalidade e prazer. Mas acham que valia a pena chamar a atenção para esse facto se constituísse a regra? Causariam surpresa e debate as estatísticas que garantem que uma parte significativa das mulheres tem prazer sexual, pratica a masturbação ou é infiel aos maridos? Seguramente que não, tal como não constituem surpresa esses dados estatísticos relativos aos homens.
Todos esses estudos apresentam a mulher como menos interessada em sexo, mais frígida e menos infiel do que os homens e já vimos que não há razões biológicas que o justifiquem, apenas culturais.
Imbuídos dessa mentalidade patriarcal habituámo-nos a ver o sexo como uma coisa de homens que, no entanto, carece de mulheres para ser praticada: eles precisam de sexo, elas concedem-no.
Naturalmente que o carácter patriarcal do sexo ocidental tem um reverso: o que para eles é uma necessidade, para elas, enquanto dependentes, transforma-se num poder.
Ou melhor dizendo, num contra poder, que a mulher usa precisamente porque, após milénios de patriarcalismo, o sexo foi uma das poucas armas que encontrou para reagir ao domínio masculino. O mesmo serviu para prover às suas necessidades, desde as mais básicas de sobrevivência, até às culturais e políticas.
Se a ascendência masculina na vida pública é inegável, já na vida privada, fruto precisamente desse contra poder feminino emanado da sexualidade, mandam geralmente as mulheres…
O amor foi assim manipulado ao longo dos séculos por jogos de poder entre homens e mulheres. A sexualidade ocidental é a síntese desses interesses contrapostos, entre as necessidades de sexo e de poder.
Se preferir a linguagem marxista podemos dizer que a revolução sexual foi o culminar de um intenso processo de luta de classes que opôs os homens dominantes às mulheres dominadas. E a luta continua por resolver…
Visto sob este prisma o sexo não pode ser natural nem gratificante. Torna-se uma conquista dos homens e uma concessão das mulheres. Faz daqueles ejaculadores precoces e destas frígidas.
Com esta pesada herança cultural não admira que, segundo Kinsey, o homem médio demore dois minutos a ejacular no coito e uma grande parte das mulheres sofra de disfunção orgásmica.
Já alguma vez imaginaram como seria o sexo, se vivêssemos numa sociedade matriarcal?
É um mundo ao contrário, em que as mulheres são a parte activa do sexo e o homem a passiva. Em que a ejaculação fertilizante e precoce não faz sentido, porque não satisfaz a mulher, e ao invés se cultiva a união física e espiritual dos corpos. Em que a mulher é a matéria e o homem o espírito. Em que o sexo é uma experiência espiritual recompensadora e não um acto impuro condenado socialmente…
O coito poderia prolongar-se por dias e o orgasmo por horas…
Por mais estranho que pareça, não estou a falar do planeta Zorg, localizado nos confins da galáxia e povoado por hermafroditas particularmente licenciosos!
Certas filosofias e culturas orientais preconizam isto mesmo.
O tantrismo é uma filosofia indiana matriarcal, criada no Séc. VII (embora baseada, provavelmente, em práticas e doutrinas anteriores que alguns remontam ao neolítico), e que se tornou famoso, nos nossos dias, sobretudo devido ao apelo sexual que encerra.
Os estudiosos desta filosofia rejeitam o carácter meramente libidinoso que adquiriu no ocidente, antes realçando os aspectos éticos e comportamentais presentes nos seus princípios.
Não obstante, parece-me sintomática esta obsessão dos ocidentais pelo sexo segundo os (supostos) princípios tântricos. Precisamente pela liberdade e inversão de valores que preconiza face à sexualidade ocidental, castradora e repressiva.
Elevando o corpo à divindade, o sexo tântrico torna-se assim uma experiência religiosa, em que os princípios feminino e masculino (respectivamente Shakti e Shiva) são manipulados até à exaustão, visando o denominado hiperorgasmo, estado de êxtase iluminado, quase sobrenatural, só alcançado pelos iniciados com total conhecimento sobre si mesmos, que desta forma são recompensados com uma experiência sexual mística.
Sendo uma filosofia matriarcal não admira que Shakti, a energia feminina, seja considerada a parte activa e o símbolo da matéria, enquanto Shiva, a energia masculina, seja vista como a parte passiva e símbolo espiritual.
Pela mesma razão não surpreende que o objectivo supremo do sexo tântrico não seja a obtenção do orgasmo (desperdício de energia vital, por isso mesmo evitável) mas antes o seu adiamento (há relatos mais os menos míticos de sessões tântricas com durações superiores a 24 horas!).
O mínimo admitido para que a experiência adquira carácter tântrico são duas horas, considerando os seus seguidores que existe ejaculação precoce se o coito de prolongar por menos de uma hora!
Diz a lenda que o coito de Shiva e Shakti durou vinte e cinco anos, sem que Shiva vertesse nela o sémen…
Quando comparamos estes princípios com as estatísticas de Kinsey, compreendemos não só o fosso cultural que separa ocidente e oriente, como também a insatisfação que grassa nas mulheres ocidentais!
Mas apercebemo-nos ainda que, pelo menos em matéria de sexualidade e espiritualidade, os homens têm muito que aprender com as suas companheiras.
Talvez já fosse tempo de as deixarmos usar as calças de vez em quando…
Se séculos de “luta de classes” sexual não foram suficientes para alcançar tal desiderato, talvez a perspectiva de um hiperorgasmo ajude…

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