quarta-feira, 9 de abril de 2008

Toma Lá Que Já Almoçaste!


Não há dúvidas de que vivemos obcecados pelo sexo.
Por muito que queiramos admitir que entre um homem e uma mulher pode existir uma linda amizade, sem qualquer envolvimento sexual, aos olhos do mundo a inocência num relacionamento destes não existe.
Experimentem ir almoçar ao vosso restaurante preferido, aquele onde costumam levar a família nos dias de festa ou a vossa companheira no aniversário de casamento ou no São Valentim, acompanhados de uma mulher desconhecida para os anfitriões, de preferência loira e bonita.
Aposto que quando menos esperarem (e mesmo à frente da vossa companhia…) lhes vão perguntar pela mulher e os filhos, se estão bons de saúde, há quanto tempo não os vêem, a jóia de pessoas que são, o lindo casal e família que fazem, os muitos anos em que estão juntos, etc, etc, etc…
Mesmo que o almoço seja o mais inocente possível, a sua companheira de ocasião não vai deixar de reparar no excesso de zelo dos anfitriões… E provavelmente vai comentar-lhe que tem ali uns acérrimos defensores da sua fidelidade conjugal!
Os mais espertos estão já a pensar numa forma expedita de resolver a situação. Nestas coisas a melhor estratégia é o ataque, pelo que se fosse eu entrava logo a matar e apresentava-a, da forma a mais inócua possível:
- É uma cliente (e daí é melhor não… uma cliente soa a falso!);
- Uma amiga (também não serve… podem julgar tratar-se de uma amiga “colorida”!);
- Uma colega de trabalho (hummm… suspeito! Os dois sozinhos a almoçarem juntos… traz água no bico!);
- Pronto, é a minha irmã (isso mesmo! Irmã é santa, não levanta suspeitas a ninguém!).
O pior é quando lá for almoçar com a sua esposa e os empregados lhe perguntarem pela sua irmã… (que a sua mulher sabe bem que não existe ou vive em Freixo de Espada à Cinta!).
Para evitar o incómodo da situação é apanhado numa mentira, ainda por cima gratuita e sem nenhum proveito!
Esqueça, não há volta a dar. Tem de ouvir os lembretes familiares e comentá-los divertidamente com a sua comensal, qualquer outra hipótese pode esconder ainda piores consequências!
Os mais fundamentalistas estão já a tremer de indignação. Não é possível… as pessoas serão todas maldosas? Será que não posso ir almoçar com uma colega ou uma amiga sem que todos fiquem a pensar que ando metido na cama com ela?
Acredite que não é por falta de confiança. Na verdade eles têm a melhor impressão de si, razão pela qual não querem ser enredados em teias menos claras a seu respeito.
Se julgassem verdadeiramente que era um arranjinho, o mais certo seria ficarem calados e evitarem ao máximo qualquer alusão à ilicitude do encontro. Mas como você é uma pessoa de bem, apressam-se em afastar os fantasmas da ilicitude e a trazer à conversa os temas inadequados às circunstâncias menos consensuais.
Nada melhor para evitar mal-entendidos do que falar na mulher e nos filhos! É a prova real de que nada de mal se passa!
O pior é que cria em si, e sobretudo na sua companhia, a sensação sórdida de estarem a ser tomados pelo que não são… adúlteros. Aos quais um sermãozinho acerca das vantagens da vida familiar nunca é demais…
Na verdade trata-se de um reflexo psicológico. Quando confrontados com uma situação nova e potencialmente perigosa, jogamos geralmente à defesa.
O melhor, por via das dúvidas, é distanciar-me desde já de qualquer elemento menos claro e mostrar-me como um velho amigo da família, cheio de intimidades e à vontade (precisamente aquilo que não temos na altura!), até para não vir a saber mais do preciso…
Sobretudo nunca nos devemos mostrar nervosos nessa ocasião. Se além de aparecer aos seus amigos e conhecidos com uma mulher nova, ainda começa a gaguejar ou a meter os pés pelas mãos, pode ter a certeza de que nenhum sai dali convencido da inocência do encontro! Vão levar o resto do dia a pensar que raio é que está a fazer com a sua vida, a trocar aquela santa que tem em casa, por uma lambisgóia qualquer!
São mecanismos automáticos que nem dão tempo para raciocinar. A novidade incomoda, porque nos retira as referências comportamentais habituais. Por muito conceituado que você seja, ninguém se consegue abstrair, num primeiro contacto, de que está a almoçar sozinho com uma mulher bonita que não é a sua! E embora possam existir um milhão de hipóteses para que tal aconteça para além do adultério (que, em rigor, seria a menos plausível porquanto teria muito mais lógica levar a amante a almoçar num local onde ninguém o conhecesse…), a circunstância torna-se comprometedora: para si, que sente necessidade de explicar o que não carece de explicação, e para eles que não sabem como reagir à novidade, com receio que você interprete o seu comportamento como uma desconfiança face à sua fidelidade conjugal.
Tantos receios e preconceitos geram comportamentos absurdos e comprometedores. De tanto se querer parecer desinteressado toma-se atitudes irreflectidas que podem ser interpretadas precisamente ao contrário, como uma intromissão inadequada na vida privada do amigo ou do cliente.
E por vezes também há lugar a invejas…
- (Olha-me este parvalhão, que nunca fez nada de jeito e há 10 anos que anda a cirandar na empresa sem sequer ser promovido, aparece-me agora com uma loiraça atracada ao pescoço) …
- Apresento-te a Joana, uma amiga de escola, que encontrei na rua agora mesmo… Já não nos víamos há 20 anos!
- Óptimo, óptimo… - Muito prazer. – Desejo-vos então um excelente almoço, que dê para pôr todas as conversas em dia!
- E já agora, dá um beijo meu à tua mulher, que é uma senhora extraordinária e aos teus cinco filhos, que são uma jóia de crianças!
- (Toma lá que já almoçaste!).

Sem comentários: