quarta-feira, 9 de abril de 2008
Marradas de Piça
É famoso nos meios jurídicos um documento, existente no Arquivo Distrital de Viseu, cuja data não foi possível precisar, mas que parece ser do início do século XIX, usado como meio de prova num julgamento.
Trata-se de um certificado, passado por uma parteira da época, chamada Bárbara Emília, natural de Coira, Viseu, a pedido de uma jovem, chamada Maria de Jesus, que pretendia libertar-se da difamação de não ser pura e provar a sua virgindade, para contrair casamento.
O documento reza assim:
Eu, Bárbara Emília, parteira que sou de Coira, atesto e certufico pula minha onra, que Maria de Jesus tem as partes fudengas tal e qual como nasceu, insceto umas pequenas noidas negras junto dos montes da crica, que a não serem de nascença, serão porvenientes de marradas de piça.
Este documento, verídico, traz à nossa lembrança, embora de forma anedótica, a importância histórica que a virgindade tem assumido na nossa e em muitas outras culturas.
Por isso resolvi dedicar este capítulo à virgindade, procurando, com o habitual recurso aos mais modernos conhecimentos da ciência médica, desmistificar as muitas crenças populares a seu respeito.
A finalidade fisiológica do hímen é ainda um mistério para a medicina. Sem uma função específica, acredita-se que o hímen seja um vestígio do desenvolvimento vaginal.
Embriologicamente, serve para manter os germes e outros factores de agressão, afastados da vagina.
Socialmente, adquiriu o papel de último garante da virgindade e da pureza femininas.
Lamentavelmente, não cumpre de forma satisfatória nenhuma das missões.
Nem evita todas as possíveis agressões bacterianas à vagina porque na esmagadora maioria dos casos está perfurado. Nem certifica a pureza das donzelas pela mesmíssima razão!
Aliás outra coisa não seria de esperar.
Se o hímen fosse completamente estanque não permitiria que os líquidos menstruais saíssem, o que, em última análise encheria a vagina de sangue e posteriormente o útero, e obrigaria a uma rápida intervenção cirúrgica sob pena de graves lesões para a mulher.
Por isso a esmagadora maioria das mulheres não são virgens nunca, no sentido em que em nenhuma altura das suas vidas (e sobretudo nunca após o aparecimento da menstruação) tiveram o seu hímen intacto.
As poucas que não se enquadram nesta regra têm geralmente pior sorte, porquanto serão obrigadas, como consequência da estanquicidade do seu hímen, a perder a virgindade através de uma incisão cirúrgica realizada por um médico, única forma de garantir a expulsão dos líquidos menstruais.
Por isso, em sentido médico, a virgindade é um mito.
Os hímenes variam na forma, tamanho e espessura.
Entre múltiplas possibilidades, os hímenes podem rodear integralmente a cavidade vaginal, com uma entrada no meio (o chamado hímen anular), ou terem um corte longitudinal no meio (denominado hímen labial), terem uma entrada em forma de meia lua (os chamados hímenes semi-lunares), terem duas aberturas (os biperfurados), múltiplas aberturas (cribiformes ou multifoliados) ou ainda uma abertura irregular (fimbriado), entre outras hipóteses menos comuns e terminologicamente variadas.
Podem ainda ser espessos e imperfurados, caso em que se torna necessária a já citada intervenção cirúrgica que, através de uma incisão, permita a expulsão dos líquidos menstruais.
Com todas estas formas, tamanhos, espessuras e perfurações é evidente que os hímenes são um fraco indício quanto à eventual actividade sexual da sua possuidora.
Pelo que não é de estranhar a indecisão da pobre parteira de Coira, quanto às noidas negras encontradas na crica da sua paciente…
Ainda hoje é por vezes difícil detectar se as perfurações existentes no hímen de uma mulher são provenientes de um qualquer processo natural perpetrado pelo organismo ou de marradas de piça!
E isto é tanto mais verdade quanto os hímenes estão sujeitos a múltiplas agressões: pelos dedos, masturbação, tampões, vibradores ou até um exame ginecológico.
Existe ainda a crença enraizada de que determinadas actividades não sexuais, tais como a dança, a ginástica desportiva ou a equitação possam contribuir para o rompimento do hímen.
No campo oposto há também hímenes particularmente elásticos que, mesmo com actividade sexual, teimam em não se romper de forma particularmente evidente, isto é, não mais do que seria normal em resultado das necessidades menstruais da mulher.
Pelo que não só não há mulheres virgens, como, ao encontrar alguma razoavelmente intacta, não há qualquer garantia de que nunca tenha tido sexo com um homem!
Isto deve ser uma conclusão particularmente chocante para a maioria dos leitores masculinos.
Depois do trabalho que tiveram em conseguir convencer uma mulher, pela primeira vez (os que tiveram dotes persuasivos para tal… entenda-se), em consentir ser penetrada vaginalmente, são agora informados, e sem qualquer anestesia, de que afinal a virgindade não existe!
E pior ainda para aqueles que fizeram questão absoluta em casar virgens… A ciência médica vem agora lançar dúvidas sobre a virgindade das esposas, apesar de estas terem sangrado abundantemente na noite de núpcias! (circunstância que garante, tradicionalmente, o carácter inesquecível da primeira noite pós-enlace, sobretudo para as mulheres).
É que a perda da virgindade é um momento muito importante e profundamente traumático para muitas mulheres. Convencê-las a dar o passo é uma obra que requer profundos conhecimentos de retórica e psicologia, e que pode ocupar vários meses ou anos da vida de um homem…
- Vais ver que não vai doer nada, querida… Eu vou ser muito meiguinho.
- Olha que as outras todas já experimentaram e agora não querem outra coisa…
- Eu ponho só um bocadinho dentro, para não doer nada… Vais ver!
Francamente, fazermos estas figuras para nada!
E ainda há mulheres que pagam fortunas para reconstruírem os seus hímenes, na esperança vã de casarem virgens, núpcias atrás de núpcias!
Em face das conclusões médicas a este respeito, a exigência da virgindade da mulher, por parte de alguns homens, parece ser completamente supérflua.
O que dizer então daqueles que fazem questão que a mulher seja virgem, apesar de já ter cinquenta anos, cinco filhos e ir nas terceiras núpcias…
Decididamente esta coisa da virgindade está sobrevalorizada na nossa sociedade…
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