quarta-feira, 9 de abril de 2008

Comichões


A sexualidade, talvez mais do que qualquer outra coisa, está carregada de mitos.
Um dos mais curiosos, e que serviu de inspiração a uma divertidíssima comédia cinematográfica, é aquele a que os americanos chamam “The Seven Year Itch” e que nós poderíamos traduzir por “Comichão do Sétimo Ano”.
Num filme memorável de 1955, realizado pelo génio da comédia Billy Wilder e que em Portugal se chamou “O Pecado Mora ao Lado”, protagonizado por Marilyn Monroe e Tom Ewell, a (também ela) mítica actriz que preencheu os sonhos eróticos de várias gerações, diverte-se a seduzir um pobre homem, vizinho de baixo, que temporariamente sozinho (pois a mulher e o filho estão de férias de Verão, fora da cidade) vai resistindo, como pode, aos inúmeros encantos da sex-symbol, enquanto produz divertidas reflexões sobre a consistência dos casamentos ao sétimo ano de existência (que era o seu caso).
Segundo o mito, uma boa parte dos casamentos correm o risco de se desmoronarem ao sétimo ano de vigência. No fundo, os primeiros seis anos seriam de romance e paixão. Ao sétimo, os esposos começariam a cair numa rotina matrimonial que os tornaria muito mais vulneráveis às solicitações externas, ao desejo de aventura e de novidade… caminho irreversível para a separação e divórcio.
De acordo com os historiadores, o mito poderá ter origem num velho conto popular anglo-saxónico. O mesmo refere que a comichão da picada de uma urtiga (poison ivy) desaparece ao fim de pouco tempo, mas volta sempre em cada sete anos volvidos.
Daqui extraiu o povo o paralelismo com o casamento. Ao fim de sete anos de romance regressa a comichão e este vai parar às urtigas…
Ainda que isto fosse verdade nos anos cinquenta, e por muito que a natureza humana seja lenta a mudar (todos descobrimos ocasionalmente em nós próprios atitudes e decisões que censurámos aos nossos pais), a primeira dúvida que o mito suscita é a sua adaptabilidade aos dias de hoje.
Os casamentos actuais não são seguramente iguais aos de há 50 anos atrás. A maioria dos casais modernos já tem uma vida sexual pré-matrimonial, homens e mulheres, quer um com o outro, quer frequentemente com terceiros (antes do relacionamento, quero eu dizer… também ainda não chegámos à promiscuidade total!). Pelo que os aspectos sexuais não deveriam suscitar a crise da “comichão matrimonial”.
Mas, às vezes, suscitam.
É que uma coisa é encontros esporádicos durante o namoro, que o casal apaixonado aproveita para se envolver sexualmente, ou até mesmo um fim-de-semana ou umas férias juntos, e outra completamente diferente é dormir todas as noites na mesma cama com o marido ou a mulher, depois de um dia cansativo de trabalho, de fazer o jantar e lavar a loiça, de tratar dos filhos, de lavar e engomar a roupa ou de discutir as contas mensais da família.
O romantismo na vida matrimonial desaparece rapidamente e muito me admiraria se, na maioria dos casais, chegasse a atingir os sete anos de idade!
Para a antropóloga americana Helen Fischer, as razões da separação dos casais poderão estar mais enraizadas na natureza humana e no tempo, do que à primeira vista poderia parecer…
Na sua opinião, expressa na obra “Why We Love”, o tempo biológico para a criação dos filhos, isto é, em que eles são totalmente dependentes dos pais funcionalmente, é de quatro anos. Assim, desde tempos imemoriais que os casais se sentem unidos, durante esse período, em torno desse objectivo, tendendo a afastarem-se a partir do momento em que os filhos começam a ganhar autonomia, carecendo menos dos cuidados dos progenitores para a sua sobrevivência.
Estamos a falar de um estudo antropológico, pelo que os factores analisados são meramente biológicos e não tanto sociais. É evidente que nas sociedades modernas a dependência dos filhos relativamente aos pais se prolonga, por vezes, muito para além da idade adulta!
Mas o homem também é um animal e como tal faz sentido falar de uma necessidade biológica de prover a sobrevivência das crias durante o período em que elas dependem exclusivamente dos progenitores, à semelhança do que sucede com quase todas as outras espécies animais.
O que Helen Fischer nos diz é que esse período, no ser humano, é de quatro anos, findo o qual esse factor de união do casal desaparece, impondo aos cônjuges a busca de outros motivos que justifiquem a sua permanência em comum.
E diz mais. Conclui que a necessidade de encontrar um novo parceiro sexual ao fim de quatro anos de relacionamento, poderá ter constituído uma forma de os seres humanos, em tempos remotos, assegurarem uma maior variedade genética da espécie. E que actualmente essa tendência se mantém, ocasionando inúmeros divórcios em casais, a partir do quarto ano de convivência em comum.
Assim, e segundo esta estudiosa americana, o mito é real. Apenas não dura sete, mas sim quatro anos.
Nos casais com vários filhos, a “comichão dos quatro anos” começaria após o nascimento do filho mais novo. E até se poderá falar de uma variante moderna deste fenómeno: a dos casais que aguardam até à maioridade dos filhos, ou até à sua independência económica, para seguirem caminhos separados. A altura em que os pais modernos entendem terem as suas crias adquirido capacidade própria de sobrevivência.
Eu sei que a teoria não explica a separação dos casais sem filhos. Nem tão pouco os muitos divórcios que ocorrem durante o suposto período de dependência funcional dos filhos.
Não obstante, a mesma não pretende assumir-se como única causa (ou sequer principal) para os divórcios, os quais naturalmente resultam de processos complexos, onde múltiplos factores convergem na difícil decisão tomada pelos casais. Antes procura contribuir para o estudo do fenómeno, juntando uma pertinente e não negligenciável razão biológica às muitas sócio-culturais já apontadas por outros.
No entanto, e sem desprezar o trabalho da teórica norte-americana, quer-me parecer que as maiores causas de separação nos casais acabam por resultar de questões bem mais comezinhas.
Para mim, tudo se resume ao sexo e à paixão!
Se o sexo é bom, a paixão mantém-se acesa. Se ele desaparece da vida conjugal ou passa a ser uma rotina monótona e corriqueira, as coisas complicam-se.
É que viver juntos dá muito trabalho! É preciso limpar a casa, fazer comida, lavar e engomar roupa, tratar dos filhos e ainda arranjar tempo e disposição para ganhar dinheiro suficiente para pagar um rol interminável de contas, que nunca param de aumentar de mês para mês…
Onde é que se vai buscar energia para tudo isto?
Bem, o sexo ajuda… e muito!
Se do casamento só ficarem as chatices, e da paixão, que é aquilo que nos convenceu, em primeiro lugar, a dar o passo, não restar nada, não são precisos sete anos para que qualquer um se interrogue o que é que está ali a fazer!
E depois começam as comichões!...
E para as mulheres ainda mais, porque afinal de contas, na maior parte dos casais, ainda são elas, hoje em dia, quem carrega o fardo mais pesado da vivência matrimonial (por muito que nos custe, a nós homens, admiti-lo…).
A única vacina para a picadela destas urtigas é manter viva a paixão. Só ela nos consegue fazer suportar a chatice que são os casamentos.
Nem sempre é fácil, mas é indispensável!
Apaixonem-se todos os dias, se possível (pelo vosso marido ou mulher, entenda-se). Invistam na vossa vida em comum.
Saiam à noite, viajem, libertem-se de vez em quando dos filhos (que são uns amores mas dão umas dores de cabeça horríveis…). E sobretudo tenham muito e bom sexo (não tenham medo de experimentar, de partilhar… a pouca-vergonha é uma qualidade muito apreciada nos momentos de maior paixão!).
Caso contrário vão arranjar sarna para se coçarem!
E a comichão vai apertar…

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