quarta-feira, 9 de abril de 2008

Imaculada Concepção


Fruto da tradição cristã, a sexualidade foi durante séculos um tema tabu na nossa sociedade, conservando ainda hoje, nalguns grupos sociais e culturas, uma imagem negra, associada aos aspectos mais básicos e animalescos da natureza humana. Sobretudo no que aos homens respeita.
A comprová-lo está a filosofia cristã do sexo, que ficou particularmente evidente na recente campanha contra a descriminalização do aborto.
Para a Igreja Católica, ou pelo menos para muita gente ligada à Igreja Católica, o sexo corresponde tão-somente à necessidade biológica e ética de consumar o amor, com vista à procriação, no seio do Sacramento Matrimonial.
As mulheres são Mães e a maternidade é Santa.
Mas alguns homens teimam em vê-las como objectos de desejo sexual, como mulheres-objecto, centrando-se apenas nos aspectos meramente carnais. Não por serem más pessoas, coitados, mas porque a natureza sexual masculina é assim…
As mulheres, em toda a sua santidade, são incapazes de compreender a diferença entre a admiração como pessoas e mães, que lhes deveria ser dedicada pelo sexo masculino, e a concupiscência dos olhares malandros que as vêem como mero objecto sexual.
Cuidando que a admiração masculina é santa, como elas, vestem-se de forma atractiva e por vezes provocante.
Esse acto de ignorância desperta os mais reprováveis sentimentos masculinos, que ao invés de admirarem a mulher, como possível mãe que é, a desejam, de forma egoísta, como se de um brinquedo se tratasse, dirigindo-lhe os mais impuros pensamentos, que deixariam chocada qualquer mulher bem formada.
É que a mulher, ao contrário do homem, não possui desejo sexual meramente carnal. Apenas vocação maternal.
Depois surge a incompreensão entre os sexos:
As mulheres “dizem que os homens são umas bestas ou uns porcos, quando eles são, simplesmente, homens provocados na sua fraqueza pela ignorância vaidosa de uma mulher.” (SIC).
Com todo o respeito pelas convicções religiosas e filosóficas de cada um, deixem-me lembrar-vos que Adão e Eva já saíram do Paraíso há alguns anos… E mesmo esses, não resistiram a uma dentadinha no fruto proibido!
A revolução sexual foi há quarenta anos, mas aparentemente muita gente andou distraída, então e daí para cá!
Será que as mulheres não sentem “atracção automática da carne perante o corpo de um homem”?
Então os publicitários, quando fazem aqueles anúncios com homens de tronco nu a vender papel higiénico ou perfumes de senhora, andam completamente enganados quanto aos potenciais compradores dos seus produtos! Devem ser apenas os homossexuais a influenciarem-se por essa publicidade, porque as mulheres, em toda a sua Santidade, não sentem atracção sexual pelo corpo masculino!
E por falar em homossexuais, como se integra a homossexualidade nesta filosofia? Se o desejo sexual é fruto da necessidade de consumar o amor na procriação, porque razão existe entre pessoas do mesmo sexo?
Pura luxúria! A bestialidade masculina confunde-se, não apenas pela ignorância feminina, mas também pela mais pura funcionalidade assexuada das formas masculinas (que ainda assim parecem capazes de atrair espíritos fracos, de carnes quentes).
E a homossexualidade feminina? Se a mulher é incapaz de sentir desejo pelo corpo do homem o que dizer do desejo pelo corpo de outra mulher?
Mistificação. A homossexualidade feminina não existe! É uma invenção dos homens para darem largas à sua luxúria animalesca… O expoente máximo do tratamento das mulheres como objecto!
Aliás, como dizia Herman José através da sua deliciosa personagem Diácono Remédios, toda a gente sabe que as mulheres não têm orgasmos… O que elas têm é muitas cócegas!
Só assim se compreende que o sexo seja um prazer egoísta do homem, mesmo que proporcione… orgasmos múltiplos às mulheres!
É mentira. Na sua Santa ignorância as mulheres inventaram o conceito do orgasmo feminino para melhor ajudarem o homem no cumprimento da sua missão procriadora. Para que eles não se sintam tão culpados do seu egoísmo, após a consumação do acto de amor conjugal…
Enfim, eu nada tenho contra o casamento ou contra a ética na sexualidade. Mas tenham dó!
Só pode acreditar nisto quem nunca teve sexo na vida ou então teve uma vida sexual profundamente deprimente.
O sexo não é cinzento nem triste! Pelo contrário, é vida e prazer. É uma das principais forças que mantém vivos os casamentos (ratificados ou não pelo Estado e pela Igreja). É uma das razões que nos impele a viver, a defrontar as dificuldades e adversidades do caminho e seguir em frente…
Porque há coisas boas na vida, como o sexo!
Reduzi-lo à mera procriação é retirar-lhe o sal… É transformá-lo numa função metabólica, numa obrigação moral e social!
Considerar a mulher ignorante porque se veste de forma atractiva, negar-lhe a capacidade de sentir atracção pelo homem ou prazer sexual é uma profunda desconsideração por ela, enquanto ser humano, por muito Santa que seja a sua missão maternal!
O mesmo se dirá do homem, ao qualificá-lo como um pobre coitado guiado pelas hormonas, incapaz de resistir ao apelo da natureza, protagonizado pelo corpo feminino… Nesse sentido não diverge em nada, na sua sexualidade, de qualquer animal irracional que persegue a fêmea durante o cio! A diferença é que no ser humano o cio é substituído por um decote mais ousado, por uma mini-saia ou uns sapatos de salto alto.
Pobres de nós, reduzidos ao papel de babuínos ao fim de milhões de anos de evolução!
Mas muitos destes princípios estão ainda enraizados na nossa cultura.
Confesso-me intrigado pela razão porque muitos seres humanos, inteligentes e capazes de desenvolver extensa prática sexual, insistem em ver os progenitores (e outros familiares…) como seres assexuados, cuja simples associação à prática sexual suscita uma reacção de asco equivalente à que algumas pessoas sentem pelos répteis ou aracnídeos…
Afinal de contas nascemos… Pelo que, pelo menos uma vez, os nossos pais tiveram de ter sexo! Se tivermos irmãos ou irmãs, então de certeza que tiveram oportunidade de lhe tomar o gosto!
Na verdade, se eu estou bem sexualmente, se levo uma vida amorosa activa e preenchida e estou contente com essa situação, porque razão hei-de negar esse prazer aos meus pais ou à minha irmã? É um contra-senso, causado por séculos de repressão sexual!
Sobretudo os homens persistem neste atavismo e tendem a negar qualquer associação das Mães à sexualidade.
A maternidade é Santa!
Mãe há só uma! (o que deixa em aberto a hipótese de pais haverem muitos…)
Façam tudo às mulheres dos outros, mas na minha irmã ou na minha mãezinha, que é uma Santa, nessas ninguém pode tocar!
É escusado. Os homens não conseguem admitir que a sua mãe também faz sexo!
Pois se nem Cristo admitiu, porque é que vou ser eu a admitir…

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